quarta-feira, 2 de novembro de 2011

"Resennha" - O alienista

”O Alienista” é um dos mais extensos contos de Machado de Assis e certamente um dos textos que melhor retrata sua veia irônica. O herói da história é Simão Bacamarte, médico de renome internacional que, após formado na metrópole e nas Espanhas, volta ao Brasil para montar, na sua pequena Itaguaí, uma casa de Orates (pesquisa pra saber o que é, oras!!!) .
Pretende o nobre varão separar o reino da loucura do reino do perfeito juízo, mas a confusão em que ambas se misturam acaba aborrecendo o Doutor, que, para levar a efeito a seleção dos loucos, tem que saber o que é a normalidade. Assim, qualquer desvio do que era o comportamento médio, a aparência pública, qualquer movimento interior, que diferisse da norma da maioria era objeto de internação, ao ponto de quatro quintos da população ser digna de receber ordem de internação.
No Alienista, porém, a loucura – ou o estudo dela – é antes de tudo uma arma com a qual Simão Bacamarte cresce aos olhos da sociedade. Uma sociedade ainda deslumbrada pelo poder e pela fama. Aqui, anacrônicos e deslocados são os que não compreendem a árdua tarefa com a qual se imbuiu o médico: descobrir, classificar e curar, com a ajuda da Ciência, a insanidade dos homens.  O hospício é a Casa do Poder, e Machado de Assis sabia disso muito antes da antipsiquiatria de Lacan e das teses de Foucould.
Mas deixando a psicologia de lado, cabe dizer que o nobre Bacamarte foi bem recebido pela população de Itaguaí, mas a aprovação cessa quando o médico passa a recolher na Casa Verde pessoas em cuja loucura a população não acreditava. Nasce então um novo líder popular, o barbeiro Porfírio, que lidera uma rebelião contra o hospício. Tomado o poder, Porfírio – que exigia a demolição da Casa Verde – rende-se à ciência e aceita que Bacamarte continue realizando seus experimentos. A sociedade se rebela novamente e eis que aparece outro barbeiro, e toma novamente o poder.
Após a intervenção direta da Coroa, as sublevações são contidas e os poderes constituídos voltam à normalidade. Bacamarte, entretanto, muda seus conceitos e solta todos os loucos e adota critérios inversos para a caracterização da loucura: os loucos agora são os leais, os justos, os honestos e os que não apresentam qualquer desvio de caráter. A terapêutica para esses casos de loucura consistia em fazer desaparecer de seus pacientes as “virtudes”, o que o Dr. Simão Bacamarte consegue com certa facilidade.
Simão declara então curados todos os loucos, e os solta, sem antes reconhecer-se como o único louco irremediável, já que reunia, em si, todos os atributos de caráter que combatia nos outros insanos. É aqui que se encerra a crítica machadiana: quem são os loucos? O que é a loucura? Se a Ciência é a resposta para muitas indagações humanas, vale aqui lembrar que nem sempre o homem sabe como percorrer o caminho das respostas. A personagem de Simão Bacamarte surge como uma síntese que mostra a impotência ou a arrogância do homem que se apropria das leis da Ciência e que em nome delas comete equívocos, promove tragédias e injustiças.
Em um final apoteótico, o médico tranca-se na Casa Verde, onde morre alguns meses depois e é enterrado com pompa e rara circunstância. Todas as respostas, se existiram, vão para o túmulo com o mestre da loucura.
Penso, pois, que o maior prazer em meu reencontro com Simão Bacamarte foi pensar o que fazemos, como sociedade, para definir padrões e comportamentos. Ou até que ponto a ciência, com seu exatismo e arrogância, comanda nossas vidas e ações.Impossível saber. A leitura deste conto, conquanto novamente rápida, foi profunda e motivou questionamentos. Como deve ser uma boa leitura. De resto, como diz a sabedoria popular, de médico e de louco, todo mundo tem um pouco. E eis a verdade suprema.

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